Ao encontrar um carvalho não misture bolotas com bugalhos: mas qual é a diferença?
07 Set 2018
Ao encontrar um carvalho não misture bolotas com bugalhos: mas qual é a diferença?
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A expressão “as aparências iludem” é muito útil quando observamos o mundo vegetal, um universo biológico repleto de surpresas e maravilhas naturais. Os carvalhos, plantas do género Quercus, são icónicos não só em Portugal pois são considerados por muitos as “árvores rainhas”, já que dominaram as florestas primitivas da Europa ocidental e muitas são as lendas e simbologias associadas a estas plantas. Não é por acaso que o sobreiro, nome científico – Quercus suber, é a árvore nacional em Portugal, desde 2011. Além de que, os carvalhos são plantas autóctones do nosso país e contribuem de várias formas para a preservação da biodiversidade, proteção dos solos e regulação do ciclo hidrológico.

 

São várias as espécies de carvalhos existentes em Portugal: o sobreiro, a azinheira, o carvalho cerquinho (muito comum na Serra de Sintra), o carvalho alvarinho, o carvalho negral, o carvalho americano, o carvalho das canárias (a maioria, existente na Serra de Monchique, também denominado carvalho de Monchique), o carvalho anão ou carvalhiça, este último um arbusto, que forma densos tapetes dada a grande densidade de folhagem. A forma das folhas e a caducidade das mesmas pode ajudar à identificação das diferentes espécies, se bem que a hibridação, que ocorre entre os diferentes carvalhos, dificulta a tarefa para um olho menos treinado. O sobreiro e a azinheira são carvalhos de folha perene, têm folha verde todo o ano, e são típicos do sul do país. A carvalhiça, apesar de baixa estatura, comparando aos outros carvalhos, também desenvolve fruto, a bolota.

 

A bolota (lande ou glande) é o fruto dos carvalhos, do tipo aquénio, um fruto seco, de uma só semente que permanece no interior do fruto, mesmo depois de cair da planta, sendo o fruto constituído pela semente e pericarpo (a camada externa que protege a semente). A bolota é geralmente associada à alimentação dos porcos, sendo o mês de setembro o eleito para a sua colheita. No entanto, desde tempos remotos que as bolotas foram consumidas pelo homem e, atualmente, já existem iniciativas inovadoras no nosso país que valorizam esse recurso na alimentação humana.

Mas afinal, o que são bugalhos?

Os bugalhos são galhas, mais corretamente cecídias, isto é, neoplasias vegetais (novas multiplicações celulares) que se formam como resposta à picada de insetos. Mas, também podem ocorrer pelo ataque de fungos, bactérias ou nemátodos. Assim, os bugalhos não são frutos, embora o possam parecer à primeira vista. Têm várias formas, mais ou menos esféricas, com ou sem picos, e de várias tonalidades. Muitas são as plantas que produzem galhas, como por exemplo os carvalhos, os castanheiros, o umbigo de vénus, entre outras.

Pensando num exemplo prático, quando o homem é picado por um mosquito ou outros insetos, como a melga, a sua pele reage de acordo com essa agressão. As plantas também reagem, e, de acordo com o local da picada e do agente causador, diferentes galhas se poderão formar. Cada galha é específica de cada agente (o chamado galhador) o que se irá manifestar num aspeto único, como por exemplo ao nível da forma e da cor.

 

Os carvalhos, das várias espécies, são particularmente sensíveis à formação de bugalhos, sendo os mais comuns causados por insetos himenópteros, o grupo das abelhas, vespas e formigas. Um dos principais insetos envolvidos na formação de bugalhos é a vespa das galhas, da espécie Cynips tozae. A picada dos insetos é realizada na procura de locais para depositar os seus ovos, que os possam proteger e ser fonte de alimento durante as metamorfoses, para que o ciclo de vida se possa completar até à fase adulta. Nesta altura, sairá do bugalho o que pode ser comprovado pelo orifício que deixam no mesmo.

Se os insetos galhadores danificarem, por exemplo, as gemas florais das plantas, ao picarem nesse local, para além do dispêndio energético na formação dos bugalhos, não se formarão flores nesse local, e por isso não se formarão frutos nem, consequentemente, as sementes. Este pormenor, tem sido de extrema importância no controle biológico de espécies invasoras em Portugal, como é o caso da acácia das espigas – Acacia longifolia. Desde 2015, tem-se utilizado um inseto australiano, o Trichilogaster acaciaelongifoliae, para controlar essa acácia, originária do mesmo país. Esse inseto tem sido usado como um agente de controlo natural, já que promove as galhas nessa espécie, especificamente nas gemas florais, comprometendo o sucesso reprodutivo dessa acácia, uma das espécies instaladas no nosso país e que tem manifestado um comportamento invasor, bastante agressivo.

 

Percebe-se assim a importância das galhas (bugalhos ou cecídias), e cada caso terá um contexto muito próprio, em termos dos benefícios ou prejuízos associados. Além de promoverem abrigo e alimento para os agentes que as provocam, também podem ser reaproveitadas por outros insetos, para abrigo por exemplo, quando fica completo o ciclo de vida dos galhadores e estes abandonam o bugalho. Assim, as galhas podem contribuir para o equilíbrio ecológico, para o controlo de espécies exóticas invasoras e também podem ser exploradas potencialidades a nível medicinal, agrícola e até artístico. Por exemplo, os bugalhos sendo ricos em taninos, podem ser úteis no fabrico de tintas naturais. Nas zonas rurais, muitas pessoas brincaram na infância, usando os bugalhos como berlindes ou personagens imaginárias durante as brincadeiras ao ar livre.

 

Há ainda muito por conhecer e descobrir e o grupo do Facebook “Galhas de Portugal” é uma excelente iniciativa na divulgação desta temática, onde todos podem participar e colaborar, enviando fotos dos bugalhos encontrados, com as coordenadas respetivas do local onde foram registados. 

As interações entre as plantas e os insetos sempre ocorreram de um modo natural e espontâneo, como é o caso dos carvalhos. E neste contexto, uma vez mais é salientado o contributo importante dos carvalhais na conservação da biodiversidade, ao participarem com os seus bugalhos na promoção de vida de espécies, como os insetos. Além de que contribuem para o abrigo ou alimento de outros animais, como é o caso dos gaios, esquilos, javalis, e até promoverem o desenvolvimento de várias espécies de cogumelos (fungos), entre tantos outros serviços que prestam.

 

A natureza é fantástica. Quando encontrar um carvalho, pode confirmar se existem bolotas ou bugalhos, dependendo da época do ano, e lembrar a expressão adaptada: “Quem bugalho vê, bolota lhe pode parecer”.

A Associação Plantar uma Árvore promove atividades de campo ao longo do ano e, com a ajuda dos vários voluntários, contribui para a conservação da nossa floresta nativa e biodiversidade associada.

Participe e plante esta ideia!

Informações em: www.plantarumaarvore.org

Fotografia e texto: Maria João Horta Parreira, Engª Agrónoma – Comunicadora de Ciência

[email protected]

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