A noção de áreas naturais protegidas é ampla, podendo oscilar entre a preservação de terras selvagens pristinas, em que a natureza está entregue a si própria e apenas observamos os resultados, e a preservação de terras silvestres moldadas e até dependentes da presença humana, onde emerge o dilema de recriar uma natureza perdida, cenários que a equipa da associação tem que gerir no âmbito da sua intervenção.
Esta noção encerra uma profunda dialética, logo na sua génese, já que podemos encontrar áreas naturais protegidas criadas com o efeito de manter a natureza livre, gerida exclusivamente pelos processos naturais, sem a presença humana, enquanto noutras a natureza está contida e sob gestão, sujeita à presença humana.
Esta dialética pode ser revisitada nas palavras e formulações dos pioneiros da conservação da natureza.
O russo Grigorii Kozhevnikov, promotor das zapovedniki, ou “reservas de natureza restrita”, uma rede de laboratórios intactos de natureza pristina inviolável, áreas “sem necessidade de remover nada, de acrescentar nada, de nada melhorar”. Constituem hoje 105 unidades, englobando 34,6, dos 70.3 milhões de hectares de terras federais protegidas, o valor mais elevado, no mundo, de terras prístinas com tão elevado nível de proteção.
O americano John Muir, mentor dos parques nacionais, nas palavras de Ulysses S. Grant, presidente norte-americano que deu forma a essa visão, criando o primeiro parque nacional do mundo, definindo-o como um “parque público ou local de lazer para benefício e prazer das pessoas”, implicitamente excluindo nativos, constituindo hoje 54 milhões de hectares de terras federais protegidas.
Na Europa, em particular no Mediterrâneo, a paisagem foi fortemente transformada pela presença humana, com a área florestal a resumir-se a 4% de área florestal pristina, 8 % plantada e 88% seminatural, ou seja, moldada pela presença humana. Além disso, cerca de 60% é área florestal privada e apenas 40% é pública.
Esta realidade é transversal a Portugal, mas o cenário é ainda mais problemático, com apenas 4% do território a pertencer ao estado e também apenas 4% de áreas naturais pristinas, sem que nenhuma parte desta área esteja integrada numa reserva integral, estando abertas à fruição pública.
Focando-nos em duas áreas onde a intervenção da associação tem sido mais ampla e contínua, temos dois casos dispares: o Parque Natural de Sintra-Cascais e a área de Rede Natura 2000 da Serra do Alvão, no município de Vila Pouca de Aguiar.
O Parque Natural de Sintra-Cascais integra uma área bastante ampla e diversificada, englobando um perímetro florestal, costeiro e rural, com a intervenção da associação focada no perímetro florestal, onde, apesar da área do domínio público ser significativa, prevalece a propriedade privada, sendo as tapadas comuns, algumas convertidas, em tempos, em eucaliptais e pinhais para exploração comercial.
A alteração desta área natural foi significativa e engloba áreas florestais seminaturais e plantadas, estas últimas essencialmente de espécies naturalizadas, mas, também extensas manchas de espécies exóticas invasoras, sem que nada reste que se possa afirmar perentoriamente como sendo prístino.
A área de Rede Natura 2000 da Serra do Alvão integra uma área igualmente extensa, intensamente moldada pela presença humana, englobando propriedades privadas, de feição agrícola, mas acima de tudo baldios, terras comunitárias historicamente devotadas ao pastoreio, muitas ao abandono, foco da intervenção da associação, que englobam manchas florestais seminaturais, carvalhais e soutos, bem como florestas plantadas de pinheiro silvestre.
A associação procura restituir a floresta nativa, mas sem áreas pristinas de referência e com a paleobotânica e a arqueologia ambiental a fornecerem registos limitados, pois nem sempre a natureza deixa tais registos, resta uma aproximação aos processos naturais, através da promoção da regeneração natural, por oposição à regeneração espontânea.
Nesta equação ainda é de considerar que, em alguns casos, os valores naturais presentes podem ser uma adaptação da natureza à presença humana, pelo que quando se procura restaurar os habitats selvagens originais, compromete-se os habitats silvestres adaptados, restando procurar criar um mosaico de equilíbrio entre os dois tipos de habitats.
O cenário mais gravoso ocorre quando o abandono exponencia desequilíbrios latentes, com a proliferação de espécies exóticas invasoras, usadas em sebes verdes ou para exploração comercial, comprometendo qualquer potencial de regeneração espontânea que poderia subsistir, dada a degradação do banco seminal nativo, bem como tornando a promoção da regeneração natural uma tarefa difícil de empreender.
Neste cenário, a associação envolve a comunidade na restituição de bosques nativos na sombra de uma natureza perdida, que, embora se trate de uma renaturalização, é uma recriação que considera os desafios do presente e que é projetada para o futuro, na tentativa de recuperar ecossistemas e habitats, com elevado potencial de biodiversidade, adaptados às alterações climáticas e mais resilientes face aos desafios da pressão humana, na esperança que a natureza nos proporcione um reencontro com uma natureza ancestral perdida.